sexta-feira, 23 de julho de 2010

Unglaublich! Unvergesslich!!!

A experiência esta noite foi única, quase indescritível (senão, o que estaria fazendo ao escrever para vocês?)

Fomos jantar no Unsicht-Bar (cuja tradução seria algo como "totalmente invisível", sendo que o sufixo "bar" tanto passa por "Bar" quanto pela desinência "mente", adverbial modal nossa). O que é isso?

Pois é. Um local para jantar onde os garçons são deficientes visuais, portanto prescindem do sentido da visão, ou quase. Quem nos recebeu parecia enxergar, mas admitiu ser deficiente visual também. E era meio brasileiro, filho de mãe pernambucana, pai alemão, nascido no Sul da Índia! Nosso garçom chamava-se Marcus, cego ou quase. Você é levado para um ambiente absolutamente escuro. Visibilidade 0! Você fecha os olhos e abre, não faz diferença, nada se vê ou se distingue. Você é servido e come assim. Naturalmente, antes, na ante-sala, foi-lhe apresentado o cardápio para escolha, e leitura. Sim, antes vc enxerga e o ambiente é normalzinho. Após ser levado para a mesa, só se pode confiar no tato, no paladar e na audição. Sim, também no olfato. Aliás, paladar e olfato são - à parte a visão - os sentidos essenciais para os prazeres da mesa.

Primeiro, fomos apresentado ao garçom - no nosso caso, Marcus - e entramos no recinto, fazendo fila indiana, apoiando a mão no ombro dele. Ele até andava rápido para meu gosto e girava para um lado e para outro, provavelmente contornando mesas, cadeiras, colunas, quem sabe? A primeira impressão foi de pavor. E se minha mão escapasse do ombro de Marcus? e se Elizabeth perdesse contato comigo? como encontrar de novo o rumo e o norte? Só gritando por socorro e ficando estático.

Levados até a mesa, fomos literalmente sentados em nossas cadeiras, um de cada vez. Marcus nos levou até a cadeira, pelos ombros e sentou-nos. Levou alguns minutos até nos orientarmos (é ... o sentido de desorientação é total). A escolha dos pratos já havia sido feita, então era esperar. Não há o processo de habituar-se com a escuridão. Você é, ou está, na mais completa escuridão. (Já tive experiência semelhante, quando era cavernícola ou espeleólogo, logo que cheguei em Bsb). O que há é um processo de adaptar-se a fazer o que normalmente se faz vendo, sem ver. A um certo ponto, virei criança. Passei a mão no prato para ver se ainda havia algo o que comer. Minha escolha havia sido o Überraschungsmenu que teoricamente fica por conta do chef. Havia a opção de pedir também uma sopa, mas achei que ia dar em merda tomar sopa no escuro. É difícil usar os talheres para comer uma salada. E o prato principal também, por você não saber exatamente o que é que vai e como vai levar à boca. A sobremesa, então, foi festa total. Era muito saborosa, mas complicada. Um creme, talvez brûlée, com uma forminha de chocolate fondant (que descobri por acaso), com uma confiture de frutas de bosque ou frutas vermelhas (quem sabe o que seriam, sem vê-las? pelo paladar, para mim, são indistiguíveis). Literalmente, lambi os dedos. Também, ninguém me via!

Depois de algum tempo e tendo, já, comido a salada de entrada, você se descontrai, a conversa flui a respeito de temas variados (você deixa de falar sobre como é estranho, sensacional, esquisito - em espanhol - comer do jeito que está comendo), e quase se esquece de estar totalmente às cegas! Em torno a você, muitas vozes, ruídos, às vezes algo que cai no chão, pelo menos uma vez alguém quebrou alguma coisa - uma garrafa, talvez - risos e estalos de dedos! Sim, os garçons estalam os dedos quando circulam para avisar uns aos outros que chegam, se aproximam, estão em ação e assim evitam encontrões, esbarrões, e acidentes diversos. Marcus (talvez, os deficientes em geral sejam assim) foi muito atencioso, carinhoso até, pois, trazendo cada prato ou serviço, avisava em voz alta, procurava sua mão e a levava até o prato, a taça de vinho, o talher. Elizabeth recebeu dele um abraço, após ser servida. Parecia realmente haver um enorme prazer em servir e nos atender. Em todos os momentos, desde que chegamos ao restaurante. Não havia pressa. Havíamos chegado sem reserva, disseram-nos que talvez meia hora de espera fosse o tempo para o atendimento, enquanto isso ficamos no bar e tomamos um prosecco (eu havia pedido um sekt, mas disseram que havia somente prosecco). Não levou tanto tempo. Mas passamos ali quase duas horas e meia de absoluto prazer de viver.

Voltando a Berlim, voltarei com certeza ao Unsicht-Bar. Até fiquei amigo do mâitre 1/2 brasileiro!

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